Klimt

1 de setembro de 2008

O meu cobertor

O meu cobertor, ou o que em tempos já foi um cobertor, tem 29 anos. Era com ele que eu adormecia, mexendo nas fitas que circundavam o cobertor, naquela espécie de folhinho que envolve a lã. Nada era mais tranquilizante e aconchegador que o meu cobertor. Muitas vezes quiseram deitá-lo fora, escondê-lo e fazê-lo desaparecer da minha vida porque estava velho e nojento e roto. Com o passar dos anos o folhinho foi desgastando-se, ficando apenas a lã. A inteligente aqui, puxava os fios que uniam a lã e a própria lã que restava fazia um folhinho que eu envolvia entre os dedos para adormecer. O cobertor foi ficando reduzido porque a lã também se desgastava e mesmo assim, lá o ia remendando. O cobertor ainda hoje existe, é um pequeno rectângulo de 20 cms. E ainda hoje repousa na minha cama, por cima da minha almofada e nada é tão suave como aquela rugosidade da lã alterada ao longo destes 29 anos repousando na minha cara. Às vezes ainda se envolve nos meus dedos recordando a infância, mas é basicamente um encosto na face que me adormece. Brevemente estes 20 cms vão ser 5 cms e o cobertor terá o seu fim. Só hoje pensava na importância deste pequeno objecto. Deve ser a única coisa que permanece ao longo destes 29 anos. Desde a maternidade. E está a chegar ao fim. é mesmo um abandonar de coisas e hábitos.
"Quanto mais claro/ Vejo em mim, mais escuro é o que vejo./ Quanto mais compreendo/ Menos me sinto compreendido./ Ó horror paradoxal deste pensar... " Fernando Pessoa