Klimt

15 de abril de 2007

Limites II

Saio de Fernão Ferro para a visita da tia. Tenho um trabalho para entregar amanhã. Não escrevi uma linha. Não vou entregar. Entrego só lá para quarta. Não quero saber. Não quero mesmo saber. Ele que me penalize na avaliação. Não tenho cabeça. Chego ao hospital e lembro-me que me esqueci do portátil do trabalho em Fernão Ferro. Fico furiosa e chateada porque tenho de voltar atrás. Desato a chorar na enfermaria. Estou cansada. Tudo me acontece e agora mais isto. Digo à tia que não quero falar na avó. Não consigo. A mãe diz para não chorar porque lhes digo para não chorarem nem se preocuparem, para pensarem em soluções porque tudo se resolve e se ficam doentes não podem ajudar ninguém. Preocupem-se com a vossa saúde, o resto resolve-se.Na mesma pasta do portátil estão as fotocópias para o trabalho da faculdade. Saio do hospital mais cedo e regresso para ir buscar o portátil e as fotocópias. O sol está quente, muito quente. Regresso a casa. Visto o pijama e deito-me no sofá às escuras a ver as minhas séries. Quero esquecer. Quero deixar de sentir esta ansiedade e angústia. Terminam as séries e não consigo parar, não consigo sossegar. Preciso de um café, preciso de ver o mar. Os pés arrastam-se em passos lentos. Sinto um peso grande. A cabeça baixa olha para o chão, para os pés. O mar não ajuda. O café não melhora a dor de cabeça. Porque saí?Não quero ouvir as pessoas. Quero ir para casa. Quero sentir-me só. O trabalho vai ficar por fazer. Amanhã de manhã formação no Lagoas. Não me apetece ver ninguém. Não me apetece fazer nada. Não me apetece comer nada. Não me apetece falar.A mãe liga a perguntar se estou mais calma e se consegui fazer o trabalho. Digo-lhe que estou mais calma mas não consigo fazer o trabalho. Entrego depois, não faz mal.Despede-se a chorar e a dizer para eu ter paciência e ficar bem. Eu digo que sim, que está tudo bem e que vai tudo melhorar porque a tia vai sair do hospital e a avó está bem. Não se preocupem, nós ficamos bem. É só arranjar soluções e tudo se consegue. Não dramatizem, há coisas piores. Mas eu não consigo. Procupar-me com vocês consome-me, consome-me imenso! Porque tenho sempre de ser forte e de reagir e de vos chamar à razão e de falar alto e dizer que não podem pensar no pior?Mas eu não estou bem. Eu não estou nada bem. Não percebo que mais preciso eu de provar. Porque me colocam sempre à prova. Porque é que tem de estar tudo a correr de forma negativa e tudo ao mesmo tempo. Estou a ficar sem forças. Juro que estou a ficar sem forças.Quero ficar aqui deitada e enroscada sem pensar. Quero esgotar todos os meus neurónios e deixar de pensar. Quero ficar a olhar para o tecto aqui deitada.Quero estar só. Quero estar comigo. Está tudo bem contigo?Comigo?Sim, está tudo bem. Comigo está sempre tudo bem.

Um comentário:

Anônimo disse...

a verdade é que nem sempre está tudo bem e não podes continuar a silenciar isso.

"Quanto mais claro/ Vejo em mim, mais escuro é o que vejo./ Quanto mais compreendo/ Menos me sinto compreendido./ Ó horror paradoxal deste pensar... " Fernando Pessoa