17 de junho de 2007
Infância no campo
Recordo muitas vezes as minhs férias de verão "na terra". Hoje estava a falar com a minha avó sobre esses tempos. Detestava ir passar férias à terra. Não conhecia ninguém. Ajudava a avó nas tarefas do campo e trabalhava-se à séria mesmo para uma criança. Refugiava-me nas minhas leituras debaixo da figueira ou na sombra de uns pinheiros, ou mesmo sentada no pequeno muro de pedra junto ao poço. Detestava o calor forte e o pó que se entranhava. Mas adorava as sementeiras e as vindimas em que as mulheres levavam as panelas e os pratos para o campo e comiamos ali todos nos campos. Gostava de ir para uma mata distante onde a minha avó apanhava pico e levar o lanche para fazer piquenique num pequenino cesto de verga e sentar-me numa cova junto de um castanheiro a lanchar. Gostava de calçar as botas de borracha dos grandes e ir regar os campos com a minha avó e a minha pequenina sachola e pedir-lhe para cortar ou abrir os regos que faziam a àgua circular. Queria ser eu a abrir a poça da rega que tinha um trapo colocado num buraco para impedir a àgua de sair. Gostava de apanhar medronhos. Comia num pequeno banco de madeira na varanda com vista para a aldeia e montes. Não tinha àgua quente. Não tinha os meus brinquedos. Só levava os meus livros. Subia e descia aquelas encostas inúmeras vezes ao dia. Ia buscar àgua à fonte num jarro. Cortava uvas das videiras e comia figos das figueiras. Colhia amoras silvestres e marmelos. Faziam-se bôlas, cozia-se pão e acendia-se o forno de lenha. Comia sardinha com broa. Detestei essas férias. Quando regressava à escola não tinha histórias das férias no algarve, das piscinas, dos passeios e das compras, tinha apenas tarefas campestres, leituras e brincadeiras na terra. Recordo agora a beleza daqueles entardeceres, daqueles rostos tristes mas afáveis, das portas sempre abertas, da simplicidade da gente, da religiosidade e dos ritmos. Tudo se está a perder. A aldeia e a vida na aldeia não é a mesma. Mas ensinou-me muito.
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"Quanto mais claro/
Vejo em mim, mais escuro é o que vejo./
Quanto mais compreendo/
Menos me sinto compreendido./
Ó horror paradoxal deste pensar... "
Fernando Pessoa
Um comentário:
vives-te coisas unicas e irrepetiveis, tives-te muita sorte porque essas férias moldaram a tua personalidade de uma maneira que as piscinas do algarve nunca fariam.
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