14 de maio de 2007
O mundo desaba
O domingo começa complicado. Vamos buscar os tios. Discutiram e estão nervosos. A arteriosclerose do tio dá para isto. Acalmar a tia que chora e diz que não vai. Dar banho ao tio. Não sei como a mãe aguenta. Lá acalmo a tia, ajudo-a a vestir. A mãe ajuda o tio a tomar banho. Saímos já desgastados. Vamos para Fernão Ferro. Almoçamos. Vamos ver a avó e dizer-lhe que o pai está no hospital. Ela reza com as senhoras do lar. É 13 de Maio. Vamos para o hospital. Passamos em casa para ir buscar o meu carro. Chegamos. O Filipe entra primeiro com o tio. Sai pouco depois a chorar. Ele não fala. Ele está muito mal. Não abre os olhos. A mãe entra de rompante. Eu choro. Espero a minha vez. Pergunto ao Filipe. Digo que não pode ser.Ouço a voz da mãe. Entro. Acalmo-a. Está desesperada. Em pranto. Vou ver o pai. Não quero acreditar. Tem os braços e as pernas presos e apenas uma fralda. A cabeça tem um galo com uma nódoa negra na sobrancelha esquerda. Não fala nem abre os olhos. Respira apenas. Está inconsciente. Choro, choro muito e peço-lhe que me dê um sinal. Aperta-me a mão, dá-me um beijo, pisca os olhos. Nada. Mexe-se e entreabre os olhos reagindo a alguma dor, talvez. Ponho a mão no coração para o ver bater. O enfermeiro diz-me para ir lá fora enxugar as lágrimas e regressar. Não me quer ali assim.Digo que nem preciso de ir lá fora. Seco as lágrimas e toco outra vez o teu coração para o ouvir bater. Digo-te que vais ficar bom e penso no que a Eliana me disse e vejo-te a sair do hospital pelos teu pés. Promete-me que não me faltas agora. Fica bem e agarra-te à vida. Fica comigo. Fica connosco. A tia entra. Chora. Dá-te um beijo e sai. Fico ali a fazer-te festas na cabeça. Saio a chorar. A mãe pergunta o que aconteceu. Não te deixou assim. Faz perguntas. Chora. Grita. Acalmam-na. Fala como se não fosses voltar. Digo-lhe que não. Tem de ser positiva e acreditar. O Filipe sai e vai levar os tios a casa. Ficamos à espera da médica que diz que percebe mas temos de nos acalmar. Explica que é um AVC, que tem sedativos fracos, que estava agitado, que está vigiado. Que pode melhorar ou piorar.Que o tac falava na fala e cabeça. O neurocirurgião avaliou. Saimos de rastos. Eu a fazer força por acreditar, ela a chorar, derrotada e sem crença como se tivesses o destino traçado. Esta tarde e noite não consigo descrever. Não quero sequer lembrar. A dor, o desespero, a ansiedade. A mãe a chorar a noite toda, a vomitar, a dizer que era a companhia dela, que estavas bem, que eras bom. Eu a dizer para não pensar assim, que vimos a tia também insconsciente e hoje ela aqui estava bem, que podia ser dos sedativos, que tinhas de ser positiva para atrair energias positivas, que tinhamos de acreditar e ter esperança. Mãe não me arranjes tu agora alguma coisa. Tens de comer e dormir. Não estás a ajudar o pai, nem a ti, nem a nós. Já tinha tido a noite longa da operação ao coração, tive mais esta noite interminável, nunca mais acabava. Os meus olhos inchados, enjoada, preocupada. Cansada.Sem forças. Sem forças mesmo. Como será a minha vida daqui para a frente?Que irá acontecer?Acordo. Mais um dia. Tenho esperança e tenho tanto medo do que posso hoje enfrentar....
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Vejo em mim, mais escuro é o que vejo./
Quanto mais compreendo/
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Fernando Pessoa
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